sexta-feira, novembro 07, 2008

O boneco de neve

Aceline era uma menina feliz que corria feliz entre o vale e o bosque que lhe ladeavam a casa. Aquele era o seu mundo, cuja fronteira era delineada pelos sonhos que lhe pintavam o sorriso e o abraço de tudo o que o olhar alcançava e que os braços pequeninos queriam agarrar.
O amor, esse, ela conhecera-o sempre entre o pai, a mãe e todos os que encontrava ao seu alcance, fossem animais, flores ou gentes de passagem ou visita, que no tempo a memória atraiçoava por vezes.

Ciclicamente o inverno aparecia e com ele, tudo e todos pareciam esconder-se como se alguém tivesse apagado tudo à passagem e um quadro multicolor ficasse reduzido a um manto branco e a contornos pardos que nem as sombras conseguiam colorir. Era a altura em que Aceline perguntava receosa pelas flores, pelas folhas das árvores e pelos pássaros que já não via nem ouvia e que receava se tivessem aborrecido com ela e partido para sempre.

Só e sem mais ninguém com quem brincar, Aceline decidiu juntar a neve em frente à casa e com ela, foi dando forma a um boneco de neve em que ela própria foi servindo de modelo nas proporções com que ia dando forma ao que antes era um monte disforme de uma massa branca e fria que lhe enregelava as mãozitas pequenas, apesar das luvas de pele de ovelha que trazia calçadas.
Pouco a pouco o boneco ia ficando mais de acordo com a imagem que concebera, enquanto dois olhos vivos e redondos davam uma expressão de contentamento a uma carita de porcelana que contrastava com os cabelos castanhos claros, que sorrateiros ultrapassavam os limites do gorro, denunciados em pequenos caracóis que o vento embalava ao sabor dos passos incertos mas decididos.
Terminada a obra, Aceline demorou-se a olhar o boneco que fizera e que diante de si, parecia olhá-la também como se ganhasse vida através do olhar que a pequenina lhe devotava, enquanto sacudia das mãos os últimos flocos de neve como quem terminara a obra.

Todos os dias a pequenina Aceline espreitava logo de manhã pela janela, ao acordar, para se certificar que o seu boneco de neve ainda lá estava e este, mantinha-se firme no seu lugar virado para a porta da entrada como que para receber a pequenina, sempre que o tempo permitia e a mãe a deixava sair para brincar na neve.
Aceline cedo se apercebeu que aquele não era apenas um boneco de neve. Era muito mais do que isso, era o seu boneco de neve. Era a sua obra cuja beleza ela via grande como tudo o que poderia alguma vez gostar e gostava tanto dele quanto podia gostar de algo ou alguém, numa paixão em jeito de gente pequenina mas do tamanho de tudo o que a vista alcança.

A pequenina queria levar o boneco consigo para casa, onde ele pudesse estar sempre com ela e longe do frio e da solidão da noite. Contudo sabia que estar com ele em casa seria trocar o seu contentamento pelo desgosto de ver o seu boneco de neve desaparecer diante de si. Como poderia o calor da casa e a sua companhia fazer desaparecer o que ela mais gostava ? Que sentido poderia ter isso ?
Assim, todos os dias Aceline reafirmava por aquele boneco o seu melhor sentimento a que dava vida em diálogos imaginados e de brincadeiras onde o seu boneco ganhava vida e movimento que só os crescidos não entendiam nem ousavam ver.

Contudo, o inverno foi-se despedindo e com o anunciar da primavera o manto branco foi diminuindo e com ele também o boneco de neve foi acusando na forma o passar do tempo, como se o tempo nele acusasse a idade no tempo e deste modo, depressa boneco e manto de neve se transformaram em pequenos riachos de água cristalina serpenteando-se entre pequenos tufos de plantas e flores que começavam a desabrochar.
Aceline viu com desgosto o seu boneco de neve e companheiro desaparecer sem entender porquê. Porque teria ele de desaparecer, ele a quem queria tanto ? E assim, todos os dias ela olhava desgostosa pela janela para o lugar onde antes o seu boneco estava e onde agora se erguia majestosa uma haste de roseira brava.

Não seria capaz de esquecer o seu amado boneco de neve e a saudade fazia-a lembrar-se de todos os detalhes que antes as suas mãozitas haviam criado e percorrido, fazendo-o conhecido de memória e que o tempo não apagava.Cada vez que nuvens brancas se anunciavam no céu azul, Aceline reconhecia nelas a forma e o sorriso do seu boneco de neve, que agora a saudade fazia imaginar numa presença constante que nem o silêncio nem a ausência sabem apagar.

1 comentário:

Maria Inácio disse...

Olá Rui!
A melhor mensagem de Natal
é aquela que sai em silêncio de nossos corações
e aquece com ternura os corações daqueles
que nos acompanham na caminhada pela vida.

Espero que nesta altura os vossos corações estejam quentinhos....

Obrigada pela companhia nesta minha curta vida... mas longa caminhada.


FELIZ NATAL