quarta-feira, março 04, 2009

Ad perpetuam memoriam



Neste dia e hora, fechou-se mais um ciclo de tudo aquilo que fui e sou. É chegada a hora de colher as pedras espalhadas sobre este caminho que percorri e com elas, reconstruir-me de tudo o que aprendi e com isso, dar-me a uma oportunidade de renascer, mesmo que numa partida dos olhares profanos.
Este blog nasceu na noite e em tempo de um luto eterno e terminou no apartar de tudo o que um viver antigo não cuidou, seja na vontade, seja no cumprir de um destino que homens e deuses traçaram na prancha do tempo.
É-me assim, chegada a hora de partir daqui e ir para outro lugar de onde não saí e onde a vontade me fez chegar de luvas brancas.
As palavras, essas, cuidarei de assentá-las sobre as folhas de papel com que farei o meu livro que será entregue ao meu Filho, para que dele saiba ler de quem nasceu e assim, com outra Luz igual, saiba iluminar o caminho que percorro devoto ao Sagrado onde planto uma Rosa de Chá com pétalas de cristal.
Deixo aqui, o meu Abraço sentido a todos os que souberam estar comigo, perante os quais me inclino num respeito profundo ao passado de que fizeram parte, ao presente em que os guardo na memória e ao futuro em que serão sempre lembrados.
A todos vos deixo os votos de Paz Profunda e o meu Eterno Obrigado.

Rui G.

Pretium doloris

Chamou Zeus deuses e homens a terreiro,

Na hora e momento que achou por direito,

Na chegada do dia quarto do mês terceiro,

Tornando o espaço das margens ali mais estreito,

Para que chegassem todos sem que primeiro,

Afastassem quem inocente estivesse no peito.

Tomou então Cronos conta do tempo,

Enquanto Ares ali tomou igual assento.

Eram uns e outros que à volta ficaram,

Daquela, como outra mesa em altar se fizesse,

Separando o que apenas homens juntaram,

Menos um Deus que não levaram, ali estivesse,

E porque de vez, juntos, uns arrasaram,

Tudo o que na memória ainda houvesse,

Eis que presentes, o nome inscreveram,

Nas sortes dos que ausentes antecederam.

Afastada das sortes Afrodite se lamentava,

Pelo que perdera e mais não achara,

Fez o caminho que Héstia já desbravava

No peito e lar vazios que também tomara,

Eis que da ira ao olhar vago tudo estava,

Devolvendo às mãos de quem ignorara,

Vieram ao pensar causas mais antigas,

Que muito mais foram que meras brigas,

Foi então que Hades da morte, ainda dorido,

Se fez chegar ao recanto da memória,

Invocando na dor quem tivesse já partido,

Mas que ali houvera de fazer também história,

De tudo o que havia sido já sofrido,

Tanto que pelo mal, ninguém tem glória.

Diz-se por isso que não haverá bem que sempre dure,

Nem maleita que mais que aquele haja ou perdure.

Terminado o preceito, Zeus se levantou,

Dizendo aos que estando assim ouviram,

Sigam caminhos diversos quem aqui assentou,

Que justo e certo foi feito aos que tudo isto viram,

E porque dúvida não existe nem restou,

Seja a deuses ou a homens que o decidiram,

Seja para sempre, o que à memória o tempo traz,

Seja sempre justo, todo aquele que por bem faz.

(R.N. Almada, 4-3-2009)

terça-feira, março 03, 2009

O Mestre

Sentado numa pedra velha e gasta à beira do caminho, um homem ainda jovem olhava o horizonte. Aquele era o lugar por onde costumavam voltar os que por quem se habituava a esperar, normalmente na teimosia da saudade.

Mas naquele dia, era apenas na vontade que voltassem os que lhe pudessem ensinar o que não chegara a aprender até então, que o fazia sentar-se ali numa esperança vã de resposta.

Observar, ouvir e aprender, fora sempre a sua caixa de ferramentas, a princípio na inocência de menino aprendiz de tudo o que a vida ainda lhe tinha para ensinar, mais tarde na mestria que todos lhe confiavam pela idade adulta.

Ainda tinha presente na memória, os momentos que a par com as corridas e voltas de bicicleta, olhava curioso, fosse as batidas nos aros que uniam as aduelas, que homens atarefados acometiam barris, pipas e dornas no armazém em frente à sua casa, fosse o esforço vigoroso do sapateiro ao fundo da rua, no manipular sábio das cevelas de meia-cana feitas das varetas dos chapéus e das facas afiadas aproveitadas das folhas de serra.
Tudo era visual e cuidadosamente registado na sua memória, como uma sequência de imagens que ia colando na caderneta de conhecimentos vários, duma colecção que não acabava.

As palavras, essas, ia-as inscrevendo na memória dos sons, a que se juntavam todos os que lhe ocupavam a recordação, quer das velhas canções e fados a que a voz materna emprestava melodias outrora habituais nos serões familiares, quer de todos e cada um dos sons que se lhe haviam tornado comuns e constantes na casa onde crescera, desde o tic-tac do velho relógio de sala, até aos sons metálicos e secos do toque das panelas na cozinha.

À sua volta tudo era absorvido, num acto de insaciável de aprender, tanto quanto a sua vista e atenção fossem capazes de alcançar, fosse apenas por esperteza ou pela inteligência que atribuíam àqueles olhos vivos e irrequietos, numa busca constante.

Mais tarde, já adulto, na inversão do entendimento, menos julgavam ensinar-lhe e mais aprender com ele. De filho e criança aprendiz, passara à idade adulta, para ensinar tudo o que a vida lhe havia ensinado e o que entretanto havia aprendido, aspirando por isso, à condição do mestre, que alguns lhe chamavam agora.

Mas naquele dia ele não sabia as respostas. Aquele pequeno ser diante de si, continha todas as perguntas e todo o conhecimento ancestral que o mundo havia compilado num espaço tão pequeno, que nem todo o universo chegaria para preencher. Ali e naquele momento, voltara da condição de Mestre à de Aprendiz.

Ali, tinha de novo tudo por aprender, agora que se tornara Pai.