segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Homem caído


Na avenida, a passadeira de peões tornou-se a maca improvisada pela má sorte, onde um homem jaz de bruços, inerte e indiferente aos chamamentos dos que o rodeiam.
O cabelo grizalho sobressai no cinzento escuro do pavimento, agora ainda mais escuro pela chuva miúda, onde uma pequena poça vermelha, denuncia a ferida, resultante do embate da cabeça durante a queda.

Enquanto uns procuravam confortar aquele homem à espera de socorro, outros faziam coro na assistência que, ora se indignava na longa espera da ambulância, ora avançavam com diagnósticos ao sabor das vontades.
Um homem jovem, indiferente ao frio e à chuva miúda a que dois chapéus de chuva procuravam poupar, despe o casaco com que cobre aquele corpo caído que teimava no silêncio e na imobilidade apenas contrariada pelo pestanejar dos olhos.

Secundo os que o chamam, enquanto o olhar atento de soslaio me revelam uma imagem em quase tudo semelhante à que me fora familiar em tempos, qual a de meu pai.
Afago-o anonimamente, e quando lhe tomo as pernas nas mãos em busca de eventuais lesões, eis que aquele corpo surpreende e ganha vida e recupera o vigor que o faz levanta-se e caminhar indiferente aos presentes como se fosse levado por uma força que o fazia viver.

Afastou-se tão rápido, quanto inesperado chegara ao acaso dos que o socorreram, e a memória daquele homem caído seguiu-lhe o rasto, espelhado na sombra dos que estiveram ali com ele.

7 comentários:

Zeca disse...

Nada do que escreveste até hoje me deixou tão sensibilizado e triste como este teu texto.

Nele vi o que aconteceu com o meu pai naquele fatídico Setembro de 1987.

Foi mais ou menos como descreveste, só com uma pequena diferença, o meu pai não teve ninguém que lhe prestasse auxílio (todas as pessoas que passavam por ele pensavam ser mais um desgraçado caido num jardim, talvez como resultado de algum excesso de álcool).

Nada disso, o meu pai era um doente cardíaco e naquele dia sofrera um acidente vascular cerebral... esteve ali inanimado, até chegarem os serviços de emergência médica que mais não fizerem do que simplesmente confirmar o óbito, assim perdi o meu pai...

Anónimo disse...

Tens uma sensibilizada extraoridnária. Obrigado pelas tuas palavras no beu blog. Muito obrigada!

Maria Carvalho disse...

Como sempre a sensibilidade inerente a ti próprio! Comovi-me ao ler-te, mais uma vez. Muitos beijos, Rui.

Maria Azenha disse...

Nós somos os outros...embora pese a alguns não o saberem...
E depois. as mãos que v~eem do coração podem dar vida a um "morto".

esta é uma história de todos os dias,com pessoas caídas, visivelmente,ou não.


Paz!

***maat

karla disse...

tb eu não consigo ficar indiferente a situações dessas... são de 1 tristeza profunda... mas há quem tenha o coração frio, e não se sensibilize com situações cm essa...

beijinhos

Ana Luar disse...

A Karla tem razão, é impossivel ficarmos indiferentes a esse tipo de situação; mas é muito mais dificl ficar indiferente à tua sensibilidade. Sou uma previligiada pk se eu cair.....sei que terei as tuas mãos amigas, para me ajudar a levantar.

beijo eterno em carinho meu querido.

Anónimo disse...

Cada sombra do passado persegue, sempre para além do limite, as sombras do presente...

(É por isso que por muito que algo me doa... não as rasgue nunca. Não as deite fora...)

RV