quinta-feira, agosto 14, 2008

Passos sobre o tempo

Levantou-se cedo como se preparasse para receber antes de todos o sol que já se anunciava em tons tímidos sobre a copa das árvores em redor. Saiu e de braços abertos encheu-se da aurora fresca que sorvia lentamente no dejejuar do sono que deixara para trás num pequeno quarto da casa da eira.
Não orou qualquer oração matinal nem os templos que conhecia tinham a forma de catedrais. Não o sabia fazer e os deuses a quem seria capaz de servir repartiam-se entre os que amava, entre os que via e os que recordava cá e no além.

Fez do seu, um dia levado sobre cumes dos montes que chegavam até onde a vista alcançava e tentou abraçá-los numa corrida que só o desejo de chegar longe permitia. Depois, estendeu a alma, qual toalha alva de linho que tudo cobria como longos cabelos de seda sobre um corpo de mulher que dava forma ao horizonte.

Correu. Lançou-se entre caminhos ladeados pela fandinga da caruma dos pinheiros, que ora decoravam as artérias dos vales e vielas, ora se encavalitavam sobre as encostas dos montes, como se buscasse a fonte onde iria beber com o cálice que lhe era mais sagrado.
Correu até onde a vontade lhe achou de bem feita melhor quedar-se entre fragas que davam alma e pena a pequenos cursos de água que mais à frente se juntavam a outros, qual procissão devota que dava corpo ao rio, entre redemoinhos de espuma branca que lhe julgavam o nome.

Levantou-se e seguiu, deixando que os passos dessem eco ao caminhar sobre as calçadas das ruelas onde colheu de resgate uma rosa que haveria de depositar onde julgasse encontrar altar num retábulo santo, onde recordações se achassem e se fizessem antes e agora.

Haveria de voltar só, como havia ido, para se encontrar consigo próprio em momentos para que juntasse num lugar só o corpo e o pensamento, como se buscasse cura para algo que por maleita desejaria mais sofrer.

Já à noite haveria de adormecer para completar além na noite o que o dia por cá já lhe havia pedido. Fora também seu, o seu próprio dia.

1 comentário:

Sha disse...

Ecos tantas vezes ouvidos nos espaços de tempo, entre passos percorridos por outros tantos caminhos.
Trilhos desta terra que gira por nós e connosco, mesmo quando está escuro, trazendo-nos de volta o sol em raios de luz, calor e esperança.
E voltamos tão sós como quando partimos; no entanto, tão mais conscientes e maiores.
Grandes, como a tua alma.

Ainda que apenas em pensamento, é teu o meu mais apertado xi-coração, tão longo quanto a distância, tão imenso quanto o querer.

Beijo
Sha