sexta-feira, janeiro 04, 2008

Minha Mãe ... o último dia (25-12-1929 ... 4-1-2007)


Disfarçava o sol numa manhã clara,
No caminho diário que tanto conhecera,
Já ao coração também a alma se juntara,
Na angústia que seguir, a vontade amolecera.
Era o chamamento que adivinhara,
Chegado o dia que o Amor tanto já temera.
Mudando de rumo, junto d’Ela a ida se fez,
Sendo ele o derradeiro, e último de vez.

Ainda consciente, as palavras quais sinos,
Anunciaram na manhã a presença desejada;
Era primeiro o Filho antes de outros peregrinos,
Uns por Amor e outra de consciência pesada.
Veio a tarde e já dormindo a vimos,
Num descanso crescente que a vida abandonava,
Via-se cumprir o destino de quem tanto amou,
Que um arco-íris com rosas brancas anunciou.

Veio a noite fechar o último dia,
Enquanto outro rápido já se viu;
Cessam por fim o olhar e a vida com o dia,
Que agora acabou e já partiu.
Enquanto a tomei junto ao peito que doia,
Chorando juntos o que já só um de nós sentiu,
Parou calmamente de respirar em sono manso,
Juntando-se a pais, filha e esposo, no descanso.

Dorme eternamente no ataúde sagrado,
Tu que tomando nos braços eu lá te deitei,
Assim mais ninguém te haverá tocado,
Nem às rosas que nas mãos te coloquei,
E outras de chá que te cobriram o corpo deitado,
Tantas quantos os anos conhecidos te sei.
Juntei-lhes ainda as palavras que li na alma,
Que apesar de lidas no fim, nem a dor acalma.

E agora Mãe, que partindo tu, aqui fiquei,
Chorando o que a má sorte a ti te deu,
Sobra a dor que enquanto viva partilhei,
E que agora só, toda minha a sinto eu.
Sabe tu que outra coisa então não me dei,
Que amar apenas quem amou o que é meu;
Descansa nos braços que te acolheram,
Morram e pereçam quantos mal te fizeram.

Há na vida gente, que pouco imagina,
O que alguns por cá sofrem realmente,
Que chegam a julgar que é mera sina,
Dos que na alma, grande dor já sente,
Oh santa fé, que tanta gente má mina,
Em jeito de coisa boa, tão hábil e vilmente,
Acossando qual bando vil de hienas,
Quem já na vida tem de sobra tantas penas.
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Natalina Gonçalves (minha Mãe) faleceu em 4-Jan-2007 às 00h45 nos meus braços, após uma vida de sofrimento. Fui o seu único suporte a apoio constantes e única companhia nos seus últimos anos e momentos de vida, enquanto outros se atiravam a ela como hienas acossando a vítima, que saberiam enfraquecida se não fosse a força da dignidade.
Eu mesmo a deitei e transportei no seu último leito (urna), cobrindo-a integralmente com 77 rosas de chá (as suas preferidas), tantos quantos os seus anos de vida. Nas mãos levou um ramos de rosas brancas, o último que recebera horas antes de outra "Mãe", a que juntei a impressão do texto que lhe dediquei e que consta no blog "Sombra do Deserto", escrito poucos momentos após o seu último suspiro.
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Com ela, partiu também uma parte de mim. Comigo ficou a saudade Dela para sempre.
Repouse em Paz Profunda, lá no lugar onde estão todas as Mães.
Este texto relata aquele que foi o último dia que juntos partilhámos.
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Fica igualmente aqui o testemunho do eterno agradecimento meu e Dela, aos que nos ajudaram e apoiaram, antes, durante e depois, em tantos momentos, muitos deles de franco desespero, onde só a consciência do dever e da razão se converteram na única força que permitiu resistir de consciência tranquila e de cabeça erguida. Assim foi e será sempre.

7 comentários:

Maria Azenha disse...

...aqui estou,Amigo.


Um abraço enorme,


***maat

Anónimo disse...

Por vezes, quando não conseguimos dormir, a tristeza é uma gata que vem em silêncio na noite, olhos brilhantes, a roçar-nos as pernas, a pedir que a mimemos. Ronrona baixinho como se quisesse mimos, mas na verdade só quer que a alimentemos, que lhe passemos a mão no pêlo lustroso e deixemos esse carinho secreto envolver-nos.
Olhamo-la nos olhos e descobrimos-lhe inteligências secretas, memórias da vida, com uma melancolia lânguida de movimentos que se espreguiça, que se rebola, que nos seduz.
Se a sacudirmos, se a pusermos fora da cama e tentarmos fechar-lhe a porta, vai miar, vai afiar as garras onde não deve, pode até deixar-nos um arranhão...a carne viva a arder vai ser uma insónia muito duradoura.
Se tivermos sorte, vamos adormecer antes de ter de a alimentar...
Se precisares de ajuda para trancar a porta..estou aqui!BEIJO, Cássia.

Sha disse...

Às vezes abrimos os olhos para não ver o local onde as nossas dores se cruzam.
Focamos sons e imagens e buscamos no olhar crítico de quem não nos entende o caminho a seguir por entre a nossa alma em retalhos...
Fingimos, remamos na dor e achamos que ninguém vê. Mas no silêncio do nosso olhar que a fala humedece, existe um espaço onde tudo acontece: o cais que as velas usam para arder até ao fim.
Raramente mostramos o que resumimos, abafamos, pensamos, omitimos, derrubamos... e guardamos para dentro implodindo a dor que nos devora a alma.
Alvoroços de quem sente.
E das mil e uma narrativas que a vida nos oferece, algumas a memória despreza, outras relembra e evoca, reescrevendo a nossa história de vida.
Mas há uma diegese que só quem vive uma longa e extensa vida sentida, aprende, na sua derradeira idade: os anos ensinam muitas coisas que os dias desconhecem.

Com todo o respeito e admiração do mundo,
um beijo.

Secreta disse...

Lamento imenso a tua perda ...
Deixo-te um beijito , carinhoso.

*Um Momento* disse...

Abraço-te....

(*)

Ana Luar disse...

Hoje apetecia-me dar-te e receber um abraço que ocupe o maior espaço possível no teu coração.

Um beijo meu querido...

Urban Cat disse...

Não sei que sentimento é esse…e não anseio pela sua chegada.

Entendo contudo cada palavra
Pelo que me faz sentir a sua leitura.

Um beijo doce.