terça-feira, março 03, 2009

O Mestre

Sentado numa pedra velha e gasta à beira do caminho, um homem ainda jovem olhava o horizonte. Aquele era o lugar por onde costumavam voltar os que por quem se habituava a esperar, normalmente na teimosia da saudade.

Mas naquele dia, era apenas na vontade que voltassem os que lhe pudessem ensinar o que não chegara a aprender até então, que o fazia sentar-se ali numa esperança vã de resposta.

Observar, ouvir e aprender, fora sempre a sua caixa de ferramentas, a princípio na inocência de menino aprendiz de tudo o que a vida ainda lhe tinha para ensinar, mais tarde na mestria que todos lhe confiavam pela idade adulta.

Ainda tinha presente na memória, os momentos que a par com as corridas e voltas de bicicleta, olhava curioso, fosse as batidas nos aros que uniam as aduelas, que homens atarefados acometiam barris, pipas e dornas no armazém em frente à sua casa, fosse o esforço vigoroso do sapateiro ao fundo da rua, no manipular sábio das cevelas de meia-cana feitas das varetas dos chapéus e das facas afiadas aproveitadas das folhas de serra.
Tudo era visual e cuidadosamente registado na sua memória, como uma sequência de imagens que ia colando na caderneta de conhecimentos vários, duma colecção que não acabava.

As palavras, essas, ia-as inscrevendo na memória dos sons, a que se juntavam todos os que lhe ocupavam a recordação, quer das velhas canções e fados a que a voz materna emprestava melodias outrora habituais nos serões familiares, quer de todos e cada um dos sons que se lhe haviam tornado comuns e constantes na casa onde crescera, desde o tic-tac do velho relógio de sala, até aos sons metálicos e secos do toque das panelas na cozinha.

À sua volta tudo era absorvido, num acto de insaciável de aprender, tanto quanto a sua vista e atenção fossem capazes de alcançar, fosse apenas por esperteza ou pela inteligência que atribuíam àqueles olhos vivos e irrequietos, numa busca constante.

Mais tarde, já adulto, na inversão do entendimento, menos julgavam ensinar-lhe e mais aprender com ele. De filho e criança aprendiz, passara à idade adulta, para ensinar tudo o que a vida lhe havia ensinado e o que entretanto havia aprendido, aspirando por isso, à condição do mestre, que alguns lhe chamavam agora.

Mas naquele dia ele não sabia as respostas. Aquele pequeno ser diante de si, continha todas as perguntas e todo o conhecimento ancestral que o mundo havia compilado num espaço tão pequeno, que nem todo o universo chegaria para preencher. Ali e naquele momento, voltara da condição de Mestre à de Aprendiz.

Ali, tinha de novo tudo por aprender, agora que se tornara Pai.

3 comentários:

Anónimo disse...

Querido amigo, tenho andado um bocado atarefada,mas é sempre bom revisitar uma casa que sempre me acolheu bem.
Um fraterno abraço
R

Maria Souza disse...

Parabéns pelo seu blog.
Gostei de estar neste espaço.
Um abraço
Maria Souza

Menina Marota disse...

"...Ali, tinha de novo tudo por aprender, agora que se tornara Pai."

"Recomeça....
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças..."

(Poema de Miguel Torga)

Um grande abraço e recomeça em Felicidade, porque um Filho é isso mesmo.