segunda-feira, agosto 11, 2008

No passar dos tempos

O caminho entre o “cabeço” e a “selada” fizera-o calmo e tranquilo pelo serpenteado da estrada principal, qual manto de retalhos, dividida agora entre pedaços de empedrado certo e regular e pequenas manchas de alcatrão recente sobre um manto extenso do alcatroado antigo. Eram como inscrições de uma história antiga da vida da aldeia, encadernada por muros de xisto encimados aqui e além por algumas latadas e a que se encostavam oportunamente no caminho, alguns chafarizes onde gentes e gado haviam saciado a sede e a vida em tempos de outrora.

A chegada à “venda” onde todos se reuniam em tertúlias do dia-a-dia, entre conversas soltas e troca de saberes sobre pessoas e coisas, concedera por momentos e espaço, a misericórdia do seu telemóvel voltar à vida numa precaridade de rede que ameaçava desvanecer-se a qualquer instante.
Renascido, qual Fénix, o pequeno aparelho apressava-se avidamente a dar nota de vida, entre mensagens recebidas e a oportunidade quase única de comunicar com o mundo a que uma telepatia incompreendida dava sentido ao tilintar que anunciava a chegada de uma chamada.

O reconhecimento do número pintara-lhe um sorriso nos lábios, ainda antes de atender, no agrado adivinhado da conversa, que desta o faria ouvir mais do que sabia responder além do entreabrir dos lábios donde as palavras não eram capazes de sair em termos e os olhos denunciavam o que as palavras não dizem, através de pequenas gotas mudas e salgadas que escorriam pelas fazes crestadas pelo sol que a custo as procurava iluminar tanto quanto o que então lhe era dito.
O final da conversa exigia-lhe um esforço de resposta, a que o silêncio do ouvir atento não faria justiça ao diálogo, e entre palavras e o remate que lhe levava o fôlego contido na emoção, a conversa terminava-a numa frase simples “- Eu também gosto muito de vocês e nunca esquecerei o que já fizeram por mim”.

O que dissera estaria sempre muito aquém do que lhe era o sentir desde há muito, num acumular constante de agradecimento, admiração e amizade.
Pegou no que ouvira, juntou-lhe a cor do sol, o negro manchado do caminho, o cinzento pardo dos muros e o verde das latadas e das eiras e com eles fotografou o momento numa memória que não haveria de esquecer. Era um daqueles momentos que a oportunidade do momento serve para ouvir os que nos que querem e fazem bem, recordando uma frase inscrita numa placa colocada cerimonialmente na capela da aldeia, onde se lê: “Deus faça bem a quem bem faz”.
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Nota: Este post foi inspirado nos gestos recorrentes do Vítor e da Luci, cuja postura e amizade são objecto da mais profunda admiração. Há de facto gente assim, que nos decora a vida no melhor que ela nos dá e a quem presto sentida homenagem numa dívida impagável.

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