sexta-feira, julho 11, 2008

A forma da "saudade"

Achmed era conhecido em toda a região pela arte de esculpir na pedra, tendo ganho fama pela habilidade e perícia nessa arte, que aprendera em tempos quando ainda pequeno vivia com os pais. Contudo, nada do que conhecera o ajudava agora para satisfazer o pedido do Sheikh que lhe encomendara uma escultura que lhe representasse a saudade. Há dias que procurava em vão a inspiração nos pequenos modelos feitos de areia húmida que depois de secos conservavam precariamente a forma original.

Desesperado sentou-se na crista da duna olhando o sol enquanto este de punha. O deserto era imenso e era ali que gostava de recolher-se quando a vida não lhe era de feição. Sentava-se normalmente a espreguiçar o olhar pelo horizonte, como se esperasse que algo de novo surgisse do nada.
Tinha nas suas mãos um dos vários modelos de areia que preparara, mas sem que o agrado lhe desse a aprovação que gostaria de se consentir a si mesmo, se achasse a obra digna da sua arte. Estava triste. Como desejava que os seus pais ali estivessem. Eles que tanto lhe tinham ensinado na arte e na vida, não lhe tinham afinal, ensinado tudo, e ali estava ele sem conseguir traduzir o que também o seu coração sentia.

Dos olhos, pequenas gotas de água rolavam pelas faces trigueiras, caindo sobre a pequena escultura de areia que as mãos seguravam e que a pouco e pouco se ia desfazendo ao ritmo de um choro calado.
Achmed olhou para as mãos que antes seguravam uma forma que esculpira à sua semelhança e que agora não era mais que um pequeno monte disforme de areia que procurava evadir-se por entre os dedos para voltar à sua forma primordial.
Tinha afinal, diante de si e nas suas mãos, a mais fiel representação da saudade que também sentira e que a pouco e pouco lhe ia desfazendo a alma e a memória.

5 comentários:

Maria Azenha disse...

que conto maravilhoso, meu querido Rui!

Beijinhos,

***maat

cαтια. disse...

Este conto tem realmente uma grande simbologia.
Por vezes andamos tão ocupados que não nos apercebemos que as lágrimas vão caindo e moldando a areia, traduzindo o que o nosso coração sente.
Um beijo.
Adorei o texto.

Maria Inácio disse...

Nao haja a menor duvida de que essa será a melhor das representaçoes, saudade, algo tao dificil de representar e tao doloroso de sentir.
Sentimentos que ao mesmo tempo podemos traduzir como algo ou alguem a quem estimamos e que por este ou aquele motivo está distante e pelo qual notrimos um sentimento especial.
Venho depois de um tempo de afastamento com algumas novidades........te aguardo para que as descobras por ti mesmo.
Deixo-te um beijo e um desejo de um excelente fim de semana.

Anónimo disse...

Amigo,

...Tu sabes!...

Tretoso Mor

Sha disse...

Pudéssemos nós moldar a saudade e talvez fossemos capazes de lhe dar forma...

A saudade não se adapta nem se ajusta; e ainda que não a queiramos viver, ela existe em nós apenas e só porque a sentimos.

E depois existem aqueles que, mesmo quando estão presentes, provocam saudade...