segunda-feira, junho 16, 2008

Verdes anos

Um vulto negro quase imóvel sentou-se, aninhado como quase sempre, junto da lareira que lhe devolvia o calor que a vida lhe negara.
Perto, uma criança pequena e de olhos expressivos, onde o mundo cabe numa mão cheia de olhar, brincava ao sabor da descoberta que as pequenas mãozitas dedilhavam em tudo o que alcançavam.
De repente os olhares encontraram-se e a pequenita, vestida de um sorriso com que a idosa se aquecia de ver, chegou-se a ela com os braços estendidos, agarrando com as dela, as mãos que a recebiam como a dádiva mais desejada dos deuses.
As mãos, essas, continuavam na descoberta, dividindo-se entre as que a agarravam e aquele rosto enrugado a que a lareira, por momentos, emprestava um reflexo doirado em tons que o sol procurava imitar durante o dia na jornada na eira, acompanhado no matiz pelas espigas de milho que o vento procurava embalar ao de leve. De dedo estendido, guardado pelo olhar admirado, procurava acompanhar os pequenos ribeiros inscritos nas mãos e nas faces, como uma mensagem escrita de símbolos que todos sabiam mais ler que julgar.

Quebrando o silêncio até então apenas interrompido pelo crepitar sorrateiro do madeiro na lareira, a idosa sorri, já esquecida da noite que chegara como a idade que lhe traçara o corpo.
- Vem, olha para as minhas mãos e vê nelas os versos que a vida no tempo escreveu.
- Olha para o meu rosto. Vê como o sol e a chuva escreveram nele o sorriso que agora vês.
- Olha para aquela maçaroca de milho que além está. Também ela já foi verde enquanto o tempo a fustigava e agora se oferece já seca com as folhas como a minha pele para a farinha que te alimenta.
- Vem, olha para mim e que vês tu ?

A pequenita atenta mais nas expressões que sentia que nas palavras que nem a custo achava entender, estendeu o braço numa carícia demorada que continuou num inclinar da cabecita coroada de pequenos caracóis claros para depositar um beijo nas mãos que a seguravam, num gesto que selou com um sorriso partilhado entre as duas.

2 comentários:

Sha disse...

Porque hoje uns olhos lindos e expressivos, coroados de pequenos caracóis claros, completam 4 primaveras... deixo(deixamos)-te um abraço caloroso, como o sol de verão.

Beijo
Sha

cαтια. disse...

Adorei as palavras e o conteúdo. Muito bonito mesmo.
Beijo*