quarta-feira, outubro 29, 2008

A cor dos sonhos

O pequeno Nianzu vivia numa pequena aldeia que deuses e homens fizeram plantar num dos imensos vales que se aninham submissos nos sopés das montanhas dos Himalaias.

A necessidade de sobreviver e a perda precoce da família fizera-o percorrer o caminho pedregoso das montanhas para chegar ao mosteiro budista mais próximo, que o destino lhe fizera escolher como recurso na vontade.
Os pequenos olhos escuros percorriam atentos todo o espaço à entrada do templo, como duas pequenas rodas dos desejos, que as faces rosadas faziam elevar como dois pequenos altares da descoberta do mundo.
Naquele dia, ele era um entre outros que como ele, procuravam ingressar no templo que a vida fizera como a opção que à maioria seria negada, fosse na sorte ou na vocação.

Na sala onde se encontrava e fora conduzido por um jovem monge de cabeça rapada, haviam sido colocadas tintas de várias cores, pincéis e folhas de papel pardo, que o monge fizera distribuir cerimoniosamente no respeito antecipado e igual.
Entre o silêncio que dava a mesma cor às palavras e aos pensamentos daquelas caritas de olhar brilhante, deu entrada na sala o lama, que a idade aparente procurava acompanhar na sabedoria que se lhe adivinhava na expressão e modos que ia dispensando a todos e a cada um dos presentes.

Sentados e acomodados, convidou o lama que cada criança pintasse a folha de papel que lhe fora distribuída, com a cor que aquela achasse ser a dos sonhos.
De imediato, cada criança tomou nas mãos uma folha de papel e o pincel, escolhendo entre as cores das tintas à disposição e pouco foi o tempo quanto demorou que diante delas repousassem folhas de papel de cores diversas como uma pequena roda multicolor em torno do velho lama que olhava atento cada uma das obras expostas diante dele.

Perguntando a cada criança o porquê de cada cor escolhida, entre tantas que faziam justiça fosse ao sol, ao céu ou à neve e às montanhas, não tardou que fosse chegada a vez do pequeno Nianzu justificar a sua escolha. Diante dele repousava uma folha onde várias eram as cores, entre as quais imprimira noutras tantas a sua mão.

- De que cor são dos teus sonhos ? Perguntou o sábio lama.
- São da cor das minhas mãos. Respondeu o pequeno Nianzu.

O velho lama, baixou-se diante dele e numa reverência simples tomou-lhe o pincel e na cor da vontade lhe ensinou a escrever aquele que lhe reconhecia no verdadeiro nome ancestral, “Zhiqiang”.

Nota: “Zhiqiang” é um nome chinês cujo significado é "a vontade é forte".

quinta-feira, outubro 16, 2008

Ilda: 13 de Junho de 1950 ... 16 de Outubro de 1955

Escrevem-se no silêncio as palavras que mais nos custam dizer.

Escrevem-se na memória as pessoas que não conseguimos esquecer.

E com todas elas, moldam-se pétalas de flores que num momento íntimo colocamos num altar sagrado onde a vida e a morte se tocam por instantes.

Repousa minha irmã, enquanto te guardo o sono eterno.
Hoje o meu silêncio é teu.

sábado, outubro 04, 2008

O cristal de neve

Os pensamentos esvoaçam como lenços leves de seda, tomados por uma aragem de anos e distâncias que pulsam como se fossem pequenos turbilhões de encontros e saudades rodopiando entre as mãos dos caprichos do ensinamento.

Os pés caminham sobre folhas amadurecidas pela vontade, que foram caindo das árvores que guardam os raios de sol que se debruçam sobre as mesas que lhe tomam a cor, ao sabor das pessoas e pensamentos que nelas se sentam enquanto as nuvens escondem os deuses furtivos que da terra se elevam para afastar a chuva do horizonte.

Da pequena cascata do jardim, pequenas gotas de tempo saltam, para na timidez do silêncio acorrerem às mãos num abraço que um beijo na testa da memória deixa cair no peito como um pequeno cristal de neve.

Começou a nevar...