sexta-feira, setembro 26, 2008

Aquele abraço ...

A boca guarda o silêncio enquanto a nostalgia atiça o pensamento que a lembrança faz dar à costa em marés de pequenas vagas a que lágrimas invisíveis emprestam de quando em vez o sabor salino da saudade que o Outono prometeu lavar nas margens do tempo.

Embora o vento suão abafe tudo e todos numa nuvem quente de calor, o frio faz-se sentir no entanto, como facadas no pano estendido que cobre o cenário em redor cor de mel.

Como faz frio, meu Deus. Os braços vão-se arqueando em redor do corpo que treme ao ritmo do cerrar dos dentes e os olhos fecham-se na esperança da implosão do mundo para que de tudo reste um ponto apenas no espaço entre aqui e o além.

Apenas queria um abraço de alguém. Aquele abraço ...
Como faz frio às vezes, meu Deus, sempre que o Inverno teima em voltar ...

quinta-feira, setembro 25, 2008

Em nome da verdade

Há algum tempo, Helena Silva, a mãe do "menino azul" foi alvo de processo em tribunal, movido por uma empresa de limpezas, que doou dinheiro para os tratamentos do filho, por esta «não provar que o dinheiro que recebeu» tinha sido empregue na doença do filho.
Supostamente isto baseou-se no depoimento de um ex-colaborador da mãe, de nome Paulo Leal, que a acusava de ser «uma mulher capaz de grandes vigarices». Paulo Leal acusou Helena Silva de não gastar os fundos que recebeu nos medicamentos do filho e de esconder o verdadeiro valor dos subsídios que recebia. Chegou mesmo a acusá-la de nunca ter viajado para os Estados Unidos, país onde Helena Silva disse ter estado com o filho internado. Aparentemente, Helena Silva disse que não tinha provas das despesas com o filho nem provas da viagem aos Estados Unidos porque Paulo Leal as tinha roubado.

Agora, Paulo Leal confessa que todas as acusações que proferiu contra a mãe do ‘menino azul’ são «falsas» e que visaram «denegrir» a sua imagem a pedido de uma empresa de limpezas que tem um litígio com Helena Silva e que lhe terá alegadamente pago 25 mil euros pelas acusações. Paulo Leal, diz que foi «fraco» e que agiu «por dinheiro». Diz que recebeu 25 mil euros em troca de documentos que tirou à mãe do ‘menino azul’ para esta não os poder apresentar e defender-se das acusações de não empregar os subsídios em cuidados clínicos. Roubou-lhe ainda o passaporte, pois era a única prova de que tinha estado nos Estados Unidos.

Paulo Leal afirma-se «arrependido» e diz que prefere ir novamente preso do que viver com «o peso na consciência» de ter estragado a vida «à melhor mãe que Portugal tem». «Pensei várias vezes em suicidar-me. Prefiro morrer a ter de viver com o remorso de fazer isto ao Emanuel», afirma.

Helena Silva recebeu a notícia do arrendimento de Paulo Leal com um choro profundo. «Ele vendeu-me», diz. Segundo conta, as acusações reproduzidas na primeira página de um jornal estragaram-lhe a vida. «O povo tentou matar-me. Cuspiram-me na cara. Rasgaram-me os cheques do correio e fiquei sem dinheiro para comer. O Emanuel só comeu com a ajuda de vizinhos».

A mãe do ‘menino azul’ conta que ninguém quis saber se as acusações eram verdade ou mentira. «Ninguém se preocupou com o meu filho, que ia tendo um ataque do coração, quando fui perseguida e pensei que me matavam». Helena Silva não entende as razões de Paulo Leal, em quem confiava e passava documentos para este digitalizar. «Era uma pessoa de confiança, que me ajudava a organizar exposições e a ter os documentos em ordem».

A mãe do ‘menino azul’ garante que nunca usou indevidamente um único cêntimo recebido para o Emanuel e afirma que é hoje uma «outra mulher», «sem força para tirar os olhos do chão».

De facto, quantos de nós já apontámos o dedo para denegrir a imagem de alguém? E quantos de nós já sentimos na boca a amargura da injustiça da calúnia ?
Que nessas alturas não faltem as forças para olhar em frente, sobretudo diante dos que acusam e caluniam. Mesmo que os olhos chorem, mesmo que o silêncio seja a defesa dos que nada têm a dizer a quem já sabe o que teria a ouvir.

Recordo-me que em tempos, uma outra "Helena Silva", solitária acolheu nos braços e afagou no peito o mesmo homem que durante a sua vida a caluniou, quando nos seus últimos momentos, moribundo lhe pedia desculpa por tudo o que lhe havia feito.

Diz-se que errar é humano e perdoar é divino. Mas afinal somos todos humanos e dificilmente somos capazes de esquecer para poder perdoar de facto.

Muitas são as vezes que mesmo cruxificados qual Cristo pelos que nos açoitam na consciência da maldade, ora nos tornamos leões perante as agruras da vida, ora somos cordeiros perante a verdade que acaba por vir ao de cima, mesmo quando chega tarde demais.

O crime não (des)compensa ...

Valentim Loureiro acusado de burla qualificada
O processo envolve Valentim Loureiro e o filho Jorge, dois vereadores da Câmara de Gondomar, dois administradores da STCP e mais cinco arguidos. Em três dias, quatro dos arguidos terão lucrado três milhões de euros.

«A Polícia Judiciária investigou o negócio da venda da Quinta do Ambrósio, comprada a uma viúva e vendida à STCP (Transportes Colectivos do Porto) com um lucro de três milhões de euros. Valentim Loureiro é acusado dos crimes de burla qualificada, prevaricação e participação económica em negócio. É ainda suspeito de instigar um crime de administração danosa.
De acordo com a acusação do Ministério Público, a quinta foi comprada por Valentim Loureiro e José Luís Olveira, respectivamente presidente e vice-presidente da Câmara de Gondomar, por um milhão de euros. A vendedora, Ludovina Cunha, julgava estar a vender o terreno à Câmara de Gondomar e, sempre de acordo com a acusação, Valentim convenceu a senhora, uma viúva de 80 anos e a filha, de que o terreno estava em reserva agrícola e pouco valia.
Laureano Gonçalves, advogado e ex-presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, acabou como proprietário do terreno, através de uma off-shore.
A 15 de Março de 2001, Ludvina vendeu o terreno por um milhão de euros. Seis dias depois, o mesmo terreno, licenciado pela Câmara, foi vendido à STCP por quatro milhões de euros. O lucro terá sido distribuido entre Valentim, o filho Jorge, Laureano Gonçalves e José Luís Oliveira.
O terreno destinava-se à construção de uma estação de recolha de autocarros e está abandonado. O procurador responsável pela acusação é Carlos Teixeira, o mesmo que acusou Valentim no processo 'Apito Dourado'.»

Os romanos usavam as galeras, Marquês de Pombal usava a forca, na China usam uma bala na nuca, no Irão cortam-se as mãos ou a cabeça, nos Estados Unidos usam-se a cadeira eléctrica ou a injecção letal e Chaka Zulu usava um pau ...

Hoje em Portugal, por tudo isto, até se corre o risco de ser figura notável de um partido político, presidente da câmara, presidente de um clube da 1ª divisão, consúl honorário de um país africano, presidente da liga de futebol e sabe-se lá que mais.

Ninguém tem o direito de tirar a vida a ninguém, mas vá lá ... fazer justiça até pode ser mais útil que o sustento impune dos criminosos.

quarta-feira, setembro 10, 2008

O reflexo do Sol

A pequena Yamka corria pelos vales que a primavera todos os anos salpicava com as cores que o arco-íris oferecia diariamente no engalanar das cascatas por onde ribeiros e riachos cantavam em coro com o piar do condor e o uivo do coiote nas encostas sobranceiras ao vale, onde ervas e flores se curvavam gentilmente aos pequenos mocassins de pele de veado que albergavam os pezitos travessos nas corridas.

O regresso a casa fazia-se com o hábito do reencontro familiar a que uma mão cheia de flores tornava mais solene a ocasião que o aconchego materno enfeitava com expressões emprestadas de surpresa pela beleza que se repetia nos ramos improvisados que as pequenas mãozitas estendiam entre a excitação do sorriso acompanhado por dois olhos abertos como duas pequenas luas cheias brilhando numa noite transformada em dias soalheiros.

Entre todas as flores, Yamka incluía sempre um girassol, que fora desde sempre a sua flor preferida e que por isso, fazia questão a de escolher entre as restantes para que o pai lha prendesse nas longas tranças escuras que lhe descaíam por sobre os ombros.

- Mamã, porque é que o girassol é igual ao sol ? Perguntou a pequenina, no reparo insuspeito e inocente sobre o olhar atento da descoberta de tudo o que o rodeia.
- Sabes, quando o Grande Espírito criou o mundo e colocou o sol no céu, reparou que uma pequena flor se apaixonou pelo sol, olhando continuamente para ele. Com o passar dos dias a flor foi crescendo mas continuava a olhar o céu em busca do sol que amava. De tanto o olhar, a pequena flor foi-se transformando, até que por amor, se tornou como ele e desde então essa flor ficou conhecida com a forma e o nome do girassol.

Saciada com a explicação, a pequena Yamka devolveu a atenção á sua paixão pelas flores, em particular pelos girassóis a que queria mais que às outras. À sua semelhança, também ela foi crescendo ao ritmo da cadência das primaveras e os ramos de flores que então colhia, também iam sendo maiores e quando olhou o lençol de água do pequeno regato que atravessava a aldeia, reparou que os longos cabelos escuros que herdara da mãe à semelhança das demais que caracterizavam os da sua tribo, haviam dado lugar a pequenos caracóis dourados que lhe decoravam a face, fazendo dela, mais uma entre as flores que segurava na mão.

Sobre elas, o sol estendia-se qual pai ao abraçar os filhos no aconchego dos que lhe são iguais.