quinta-feira, fevereiro 14, 2008

O diamante vermelho


No reino de Philia reinava uma harmonia rara, guardada zelosamente por deuses e guardiões dos templos numa convivência tranquila marcada pelo ritmo da sucessão dos dias soalheiros doirados e das noites de um luar prateado ameno.
Seguindo tradições ancestrais, a princesa Philumenae fora confiada pelos deuses ao Guardião do Templo sagrado do Destino, até que fosse chegada a hora achada por aqueles, para que tomasse o seu lugar entre iguais na corte, a que pertenceria até à eternidade. Para isso, fora instruída pelo Guardião do templo para que nunca se aventurasse além dos limites do templo, onde começavam os domínios profanos, pertencentes ao reino de Jahelus, conhecido e acusado de seduzir belas jovens, tornando-as suas escravas, retirando-lhes todo o conhecimento e consciência.
Assim, Philumenae passeava-se dentro dos limites do templo, sem que porém, deixasse de observar com curiosidade todo o espaço que se lhe apresentava diante onde desejava poder correr livremente, mesmo que isso contrariasse as indicações que recebera, tanto mais que nada nem ninguém parecia estar por perto.
Dia após dia a tentação crescera até que esta tomou o lugar da obediência assumida antes e assim Philumenae decidiu correr livremente, nem que fosse por uma única vez, pois que não vendo ninguém, nada de mal lhe aconteceria.
De volta ao templo o caminho de regresso ficou assinalado pelos passos dados por Philumenae, gravados nas pegadas deixadas no pavimento de pedra pela terra vermelha que agora teimosamente lhe cobria os pés denunciando o terreno que pisara.
Furioso e antecipando o castigo que o esperava da parte dos deuses, pela não observância da tradição, o Guardião do templo, desesperado ordena o degredo da jovem princesa para o deserto nos confins do reino de Philia, onde deveria permanecer até encontrar coisa ou bem que pudesse pagar pela falta cometida e aplacasse a ira dos deuses.
Triste e desiludida, Philumenae foi conduzida ao deserto, onde durante anos iria procurar algo que por grande valor, só poderia ter o valor da mais preciosa das joias.

Entretanto, a busca constante de anos a fio, crestara-lhe a pele e na face duas linhas brancas testemunhavam o rasto do sal de lágrimas há muito choradas, enquanto o tempo desenhava-lhe caprichos na forma de rugas que lhe tomavam de assalto a beleza pela qual antes já fora conhecida e admirada por todos os que a viam.
Todas as noites, quando cansada se abandonava ao sono sobre a esteira que lhe servia de leito, Philumenae tinha o mesmo sonho em que uma voz lhe dizia “busca perto a jóia mais valiosa”. Assim, todos os dias , buscava sem cessar qualquer jóia que se afigurasse de grande valor, embora apenas encontrasse pequenos fragmentos de vidro, aparentemente pertencentes a um espelho antigo que alguém atirara fora quando se partiu.
Passado muito tempo e desiludida com a falta de resultado das buscas, decidiu apresentar-se resignada ao Guardião do templo, para que lhe aplicasse o castigo capital, pois nada encontrara de valor, que não fossem apenas os fragmentos de um espelho velho e sem utilidade.

Assim, dirigiu-se ao Templo do Destino para se submeter à vontade do Guardião entregando-lhe apenas o velho espelho partido, esperando o castigo que decerto lhe seria fatal. O Guardião pegou no espelho estilhaçado e com relutância pediu a Philumenae que o olhasse na busca de alguma utilidade. Philumenae assim fez num gesto resignado, acompanhado pelo desdém do Guardião que adivinhava a resposta que justificasse o castigo que lhe premeditara.

Todavia, ao olhar da princesa no espelho quebrado em mil pedaços e para espanto desta, as rugas da sua pele tomavam agora o aspecto de pequenas faces lapidadas e a sua pele ganhara uma tonalidade enrubescida com reflexos rubros e os olhos soltavam um brilho quase incandescente, enquanto os cabelos retomavam a cor de azeitona escuro de outrora. Procurando rever-se no espelho, não via agora as fracturas dos fragmentos do mesmo que encontrara, em vez disso, via nele o reflexo de si mesma, na mais cobiçada das jóias, ... o diamante vermelho. Reencontrara-se.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Miminho


Recebi há dias um "prémio" da minha amiga SHA, que com isso, pretende homenagear algumas das pessoas que com ela se relacionam através da blogosfera, nomeadamente na sua componente virtual, onde a Amizade não deixa no entanto, de se poder manifestar em pleno.

Obrigado SHA pelo teu mimo, do qual me encontro infinitamente menos merecedor que tu mesma. Subscrevo completamente os critérios de quem te atribuiu tal distinção, tanto quanto os teus ao reconhecê-la também.
Mimam-me os deuses no carinho e amizade através das pessoas de quem gosto, diante das quais me inclino humildemente no agradecimento ao saber-te igualmente entre elas.

Resolvi no entanto, na habitual continuidade do gesto, ir um pouco mais além na atribuição do mesmo "prémio". Assim, decidi não me limitar na sua atribuição genérica e quase discreta, antes pelo contrário, deixar aqui, de forma delatória o quanto gosto das pessoas visadas, que a vida me deu a conhecer, quer tenham blogs ou que sei acompanharem este blog, nomeadamente e sem qualquer critério que dite a sua ordem de referência. Sei que mais gente me é importante aqui e me perdoem se por esquecido possa ter padecido se for o caso.

Levanto-me e grito bem alto o quanto a amo, naquele Amor que não se sabe definir e que se incorpora no abraço mais fraternal. É a "Mãe" que qualquer um de nós gostaria de ter, sobretudo os que já não a têm e que n'Ela a podem rever ainda que num recolhimento silencioso.
Não posso esquecer o carinho e atenção permanentemente dispensados num sorriso maternal inesquecível, sobretudo nos momentos mais emotivos, aos quais apenas posso responder num beijo filial nas mãos sagradas.
Perdem na virtualidade os blogs a força da comunicação, quando as pessoas se tornam constantemente presentes no pensamento.
Lhe seja grata a vida na alegria, Maat, tanto quanto lhe sou eu no mais puro dos afectos.
Bem haja querida Maat e um muito obrigado por tudo. Deixo-lhe uma rosa.

MARIA DO CÉU (A luz do voo):
Com algumas pessoas não são precisas muitas palavras para as entendermos e sentirmos o calor do entendimento a que nos remetem ao conforto de uma Amizade plena no consentimento quase fraternal.
Não é em vão nem por acaso que a trato em privado por "Irmã", que nessa condição o comportamento e sentimento fraterno a têm assistido a miúde em momentos que a memória não apaga para que nunca deixe eu de saber quem sou.
Te seja amiga a vida Maria do Céu, tanto quanto mostras ser pelos outros.
Bem hajas querida Maria do Céu e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

Têm sido os momentos de diálogo, muitas vezes os únicos, que ora em dias alegres de sol fizeram soltar gargalhadas circunstanciais ora em dias mais sombrios se constituíram como abraços na tentativa franca de partilhar os momentos menos bons, mesmo quando o sorriso rompe as barreiras da virtualidade, no testemunho da mais sagrada Amizade a que poucos almejam conseguir corresponder na sua plenitude.
Te seja generosa e justa a vida em tudo o que de bom te guarda, tanto quanto te possam desejar os que mais te querem.
Bem hajas querida SHA e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

ANA LUAR (Ana Luar):
A vida coloca-nos por vezes no nosso caminho pessoas, cujas pegadas ficam indelevelmente marcadas qual tatuagem na alma, que assim reforça a intensidade com que a nossa existência é arrebatada no prazer de rir, aprender, descobrir e amar.
Raramente reunem os deuses numa vez só o quanto a maioria de nós queria descobrir ao longo da vida, mesmo que a perfeição e a imperfeição se misturem numa palete de cores, onde a arte humana do sentir se desdobre em sentimentos diversos.
Te seja Ana, justa a vida e os deuses e façam poisar na mão a felicidade que sobre ti paire.
Bem hajas querida Ana Luar e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

BERNARDO AZINHEIRO (Letras à margem):
Quando já temos muitos anos, são muitas as vezes que nos questionamos sobre o que gostarímos de fazer se voltássemos atrás no tempo ou sobre o que gostaríamos de ser ou ter sido.
O Bernardo é daqueles adolescentes onde qualquer um de nós gostaria de se rever e que as sortes do destino me colocou na gentileza de uma partilha afectiva que a Amizade testemunha na maior intensidade. Gosto dele, gosto muito dele, não só por quem é, mas sobretudo por aquilo que é, digno de converter qualquer pai ou mãe à mais sincera oração de agradecimento aos deuses.
Te seja gentil a vida Bernardo, no conhecimento e fácil te torne a caminhada para o alcançares.
Bem hajas caro Bernardo e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

Quero também homenagear aqueles que apesar de não terem blogs, têm sido igualmente uma razão de todas as palavras ditas, escritas e sentidas, num parto partilhado em leituras atentas, muitas vezes apenas comentadas no recato de conversas pessoais, no conforto que a virtualidade concedeu à vida real, nomeadamente:

CECÍLIA:
Não ficaria completa qualquer oitava sem que todas as notas se pudessem tocar nem qualquer flor se lhe faltasse alguma das pétalas nem qualquer jóia sem a mais preciosa das pedras. Assim é a Cecília para muitos que a rodeiam, seja pela sua força interior, seja pela luz que transmite e que devota numa dádiva constante que a generosidade assumiu como sua imagem característica, fazendo ajelhar deuses e homens, gratos pelos gestos e pelas palavras. A eles me junto na homenagem, como o mais devoto no reconhecimento que muitos anos já conhecem.
Te seja justa a vida em tudo o que de bom te ofereça, que será sempre pouco para para com o merecimento do quanto dás, mesmo em silêncio dos pequenos grandes gestos.
Bem hajas querida Cecília e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

ANSELMO:
Frequentemente a Amizade sobrepõe-se irreverente aos graus de parentesco, remetendo-os para um plano menor, quando o bem querer une as pessoas no mais intenso e generoso dos afectos. Assim, ao parentesco de "cunhado", a condição de "Irmão" toma forma em tudo o que me une ao Anselmo, num sentimento a que os anos apenas têm acrescentado a maturidade do tempo, qual o mais frondoso dos carvalhos numa floresta selectiva às gentes que nela ousam entrar num cerimonial iniciático.
Muitas das palavras e sentimentos que constituem este blog, fazem parte do conhecimento que o Anselmo tem de mim, muitas das vezes lidas num silêncio condescendente de quem testemunha uma vida que se desenrola nos mesmos princípios.
Te seja gentil a vida Anselmo, tanto quanto a tua Amizade que quase diariamente testemunho.
Bem hajas caro Anselmo e um muito obrigado por tudo. Deixo-te uma rosa.

Sois todos vós, nas rosas que aqui vos deixo, que constituís o mais belo ramo com que decoro a minha vida junto dos que mais amo na vida, nomeadamente o meu filho e sobrinho, mesmo que venere muitas vezes em silêncio, enquanto inalo o mais sagrado dos perfumes, o da vossa Amizade, a que apenas me posso arrogar de tentar ombrear no mais sincero reconhecimento.
Bem hajam e um obrigado por tudo.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Entrudo dos sentidos


O batuque dos tambores transporta-me como uma folha levada pelo vento criado pelo arfar dos cantares acesos pela festa pagã que nos leva na levada do tempo.

Num silêncio quase cerimonial, onde só o silvo suave da respiração invade profano este espaço, a pele toma nova forma, vestindo-se para um novo desfile.
Os braços espreguiçam-se e adaptam-se a uma nova condição, onde as mãos estão mais longe e o céu se tornou o limite do imaginário.
As pernas desconhecem agora o chão e acompanham o vôo na sensação de estar ausente diante de todas as sombras que testemunham a dança anónima dos sentidos.

Completa-se a mutação dos seres, com a máscara que agora ponho decorada com um olhar alheio e o sorriso toma a forma de uma barca que navega numa satisfação cuidada, adornada pelos cabelos que descaiem em manto de rainha sobre a alma que coloquei como penhor de mim.

Não sei quem sou agora e os demais não me vêem, porque estou ausente. Vesti-me de ti.