Ainda a noite não se despediu do dia e já o ar quente começa a tomar o lugar da aragem húmida que me fez cobrir com a manta multicolor com que me abrigo.
Dentro da tenda o dia toma tons pardos enquanto o ar ainda é respirável, tingido pelo odor seco do pão quente acabado de cozer na chapa que vou tragando em pedaços dobrados pelos dedos calejados empoeirados pelo tempo e pelo pó que tudo cobre numa presença incontornável.
As últimas cabras a serem ordenhadas espalham alguns balidos numa saudação ao novo dia, a que me associo ao ritmo de pequenos goles com que sorvo o leite matinal ainda morno da ordenha.
Dentro da tenda o dia toma tons pardos enquanto o ar ainda é respirável, tingido pelo odor seco do pão quente acabado de cozer na chapa que vou tragando em pedaços dobrados pelos dedos calejados empoeirados pelo tempo e pelo pó que tudo cobre numa presença incontornável.
As últimas cabras a serem ordenhadas espalham alguns balidos numa saudação ao novo dia, a que me associo ao ritmo de pequenos goles com que sorvo o leite matinal ainda morno da ordenha.
Chega a hora de levar o rebanho a pastar, numa rotina diária já conhecida, num passeio pelos caminhos adivinhados num terreno de areia polvilhada por pequenas pedras de arenito da mesma cor castanho-claro, quais pepitas de um valor que a abundância e o incómodo de caminhar sobre elas faz desdenhar.
Os escassos arbustos emitem um ruído semelhante ao crepitar do óleo quente, quando sujeitos à persistência do mastigar das cabras, que indiferentes às arestas afiadas das folhas quase secas, as devoram resignadas á imposição do apetite.
Os escassos arbustos emitem um ruído semelhante ao crepitar do óleo quente, quando sujeitos à persistência do mastigar das cabras, que indiferentes às arestas afiadas das folhas quase secas, as devoram resignadas á imposição do apetite.
Uma caravana de camelos surge no horizonte quase invisível pela cumplicidade das cores com o tom doirado das dunas, denunciada pela fila de sombras ondulantes, vacilando ao ritmo paciente dos passos que tomam cadência em baques que ganham um crescente volume surdo à medida que se aproximam.
“Salam aleikoum” saúdam os homens num gesto de cortesia, cadenciado pela mão direita que deslocam entre o peito, a boca e a testa enquanto a mão esquerda segura a montada pelas rédeas de um mesmo couro com que foram feitas as sandálias que lhes calçam os pés. Estão cobertos de panos de um azul forte, contrastando com a alvura branca do pano que lhes cobre a cabeça, deixando uma pequena abertura para os olhos negros cor de azeviche, por onde se anunciam os rostos crestados por um sol que lhes impôs na pele o mesmo tom castanho das tâmaras, que lhes servem de alimento.
O calor emanado pelos bafos da cáfila de camelos mistura-se com o ar quente e seco que tudo envolve e nos entra no peito como se nos aconchegasse interiormente, qual mão invisível, aquecida nas mesmas brasas onde uma pequena chaleira emite o som doce do murmurejar da água onde deito um pequeno ramo seco de chá de menta, a servir em gestos simples de um respeito mudo, sobre o açúcar que o espera impaciente em pequenos copos de vidro canelado onde a areia e os anos deixaram marcas baças no polir das arestas.
A conversa é calma e em voz amena, quase cerimonial, num idioma de frases de tonalidade quase tão seca como o ar que entra pelas gargantas, que o chá quente ilude em sensações de frescura pelo sabor mentolado da infusão. Esta é bebida a pequenos goles delicados em gestos repetidos com o auxílio das mãos que a conduzem à boca pelos dedos indicadores e polegares já habituados ao vidro quente que as palmas das mãos procuram proteger dos grãos de areia embalados em suspiros furtivos da aragem.
As discussões e os assuntos são tema de numa precursão melodiosa de um gargarejar ritmado, apenas entrecortado pelo borbulhar fino da chicha onde o tabaco misturado de ervas, arde sob as ordens de uma pequena brasa retirada à lareira com a ajuda de dois pequenos ramos, desempenhando de improviso o papel de tenaz nas mãos experientes de um berbere de rosto afilado e expressão severa.
Antes que a noite desça de novo, inclino-me sobre a esteira no alpendre da tenda e demoro o olhar sobre a paisagem que vai tomando tons de âmbar enquanto o céu muda para um tom anilado que a lua quando nascer vai contrariar em reflexos de esmeralda.
Fecho os olhos e aspiro confortado a novidade da frescura da noite enquanto penso que não era capaz de viver noutro lugar, sem que deste sentisse uma castigadora saudade.
Muito bonito.
ResponderEliminarHá tanto tempo que não ouvia esta música... Traz-me recordações.
Um beijo*
O fantático mora em tua alma...
ResponderEliminarAbraço
Há odores que nos estão tão impregnados na alma, que não sabemos se nos perseguem ou se os perseguimos... mas que temos a certeza que nos guiam.
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