O cansaço dos preparativos de Natal já pesava quando as primeiras visitas começaram a chegar e à medida que chegavam, as prendas iam-se acumulando junto à árvore de Natal que ia aumentando de brilho ao som dos risos e das gargalhadas que perfumavam o ar.
Chegaram os pais que se juntavam aos tios no momento da chegada, acolhidos na corrida de braços abertos pelo neto e sobrinho que via de novo os avós paternos junto aos maternos que já os aguardavam. A lareira fazia coro ao conjunto, com o crepitar da madeira incandescente em chamas ondulantes de um calor envolvente.
Em seguida, cunhados e sobrinho juntavam-se-lhes trazendo consigo, tios e até o pequeno Ruca marcava presença em latidos e patas levantadas implorando pela atenção cuidada.
Na mesa que crescera ao longo da sala, os pratos e talheres iam sendo colocados ao ritmos das músicas natalícias que se repetiam sempre diferentes quando mais alguém chegava, e havia sempre mais alguém para chegar, ao sabor das recordações.
O bacalhau cozido exigiu a tradição junto com o polvo cozido e mais tarde o Perú recheado foi trinchado logo após o caldo de camarão, especialidade que nem pai nem filho dispensavam à mãe deste. Doces e bebidas completavam o conjunto e os elogios eram mais acesos quando se servia a aletria e as fatias douradas, quase sempre guardadas para o brinde da meia-noite feito com aniz e vinho do Porto, celebrando o início do 78º aniversário da mãe que devia o seu nome ao dia que ora começava.
Em diálogos e conversas, as piadas e anedotas mostravam o quanto comidos e bebidos estavam, condimentados pelos risos e sorrisos que em coros espontaneamente enchiam o ar.
No momento da abertura das prendas, os olhos vivos e despertos do pequeno Rui mostravam-se tão inquietos quanto as suas mãozitas no rasgar ávido do papel de embrulho, em busca de pequenos tesouros que a sua imaginação já buscara e tentara adivinhar na forma e volume dos embrulhos.
Já tardiamente, o cansaço e o espírito saciado pela felicidade e a presença dos que o coração reclamara, o sono ia tomando conta do corpo e já a alma cedera à vontade de adormecer para que assim, fosse legitimado o sonho que por momentos vivera acordado, antes da consciência do silêncio que reinava e do único talher que na verdade existia sobre a mesa junto das fotografias que cuidadosamente colocara diante de si por companhia.
Em seguida, já deposta a aliança sagrada, lançar-se-ia na noite na visita aos que amava dando um pouco de si a cada um, qual Pai Natal sem poder chegar a todos.