quinta-feira, novembro 01, 2007

Dia com os Santos


- Olha, comprei estas flores para a tua mãe. Não sei se tencionas lá ir neste dia, mas caso vás, gostaria de lhas dar. São "rosas de chá" que eram as que ela preferia.
- Se não quiseres, posso deixá-las numa igreja próxima, em memória dela na mesma.

Um ramo cuidado de rosas de cor pérola decorava as mãos finas mas firmes, cuja beleza reflectia a alma e o rosto familiar de quem as trazia, num cuidado suportado pelos inúmeros anos de amizade que foram amadurecendo num carinho e atenção que o tempo desconhece.

- Obrigado, irei sim, agora irei.

A surpresa vinha calma, quase desapercebida, como se o gesto se tivesse tornado de repente tão natural como quem o fazia, como assim se tornara o caminho até onde descansam os que continuam numa falta constante.

Às rosas, juntaram-se cravos vermelhos, as preferidas de meu pai, num pequeno molhe, do qual, um foi retirado simbolicamente para o sepulcro da minha irmã, numa cumplicidade infinita entre os dois, que se estende além da vida.
No local, pessoas, silêncios e choros baixos misturavam-se no aroma das flores como uma dança quase mágica de chamamento às almas e recordações, entre multidões numa feira de caminhos e passos, já conhecidos de cor.

Nas lápides alvas de dignidade, ficaram as flores amparadas em vasos iguais, onde as fotografias procuravam dar faces conhecidas às sepulturas, numa esperança vã de se voltarem a ver.
Ultimas lágrimas ofereceram-se em sacrifício, enquanto as pétalas delas se alimentavam, num último esforço para ganhar a beleza de quem guardavam.

Foi com o mesmo silêncio que o regresso se anunciou, num último olhar, que sob as ordens do anoitecer, uma miríade de pequenas lamparinas emprestavam um sorriso de outras tantas almas, cintilando num jardim de flores.

Às vezes até na morte, também a vida é feita de pequenos gestos que se partilham.