terça-feira, março 27, 2007

Grandes e pequenos portugueses

41% dos portugueses que participaram na escolha dos "Grandes Portugueses", através do programa da RTP1, elegeu Oliveira Salazar como um "grande português".


Não vou discutir se se trata de branqueamento de 48 anos de fascismo, nem me encontro a favor da censura ou da acção da polícia política e da falta de liberdade ou sequer do protagonismo do antigo império colonial português.
Mas entendo que mais do que votos a favor do antigo ditador como um grande português, foram votos contra os "pequenos portugueses" que lhe têm sucedido, sobretudo na época recente e actual.

Àparte a ditadura que castigou este povo, o mesmo se questiona quanto à falta actual de referências de valores, de honestidade e de empenho nacional genuínos que outrora reconhecera, ainda que ensombrados pela falta de liberdade e desrespeito pelos direitos humanos.

Diria quase que, mais que o mal que pudesse existir em Salazar, este era ultrapassado sobretudo nos salazaristas, muitos dos quais,mesmo assim, à luz de muitos políticos que agora pululam no teatro político, quase que se tornavam recomendáveis.

Salazar entendia que cada país devia bastar-se a si próprio. Hoje alguns políticos actuam de modo a que um paí os os baste a eles próprios.
Salazar conduziu de forma, que reconheçamos surpreendente, a recuperação económica nacional, ainda que aplicando métodos discutíveis mas que mostraram eficácia no pragmatismo. Hoje temos governantes que se contorcem atabalhoadamente em excertos económicos, sem uma estratégia eficaz, seja a curto, médio ou longo prazos.

Assim, e atendendo ao estado ditaturial que Salazar permitiu e proporcinou, assumo que ele poderia não ter sido um "grande português", mas claramente constatamos que estamos actualmente em presença de políticos e governantes que não passam de "pequenos portugueses" pela actual ausência de valores e de mérito. E é bom lembrar que é de estados políticos actuais que surgem normalmente as ditaduras e os ditadores.

sexta-feira, março 23, 2007

O falso ladrão ...

Saiu de casa com a mesma roupa de sempre com que mal cobre o corpo. Não fora a tranquilidade que lhe decora a alma e o frio faria tremer ainda mais aquele corpo magro denunciando quão ingrata lhe fora a vida.
O dia será igual aos anteriores e possivelmente aos que lhe seguirão na mesma busca que outros, na mesma condição, demandam em coro silencioso pelo governo diário.
Passam por ele, tão indiferentes quanto distantes todos os que o ignoram, pelas vestes que lhe injustiçam o pensamento e a vontade.

A caminhada fá-la ele calma, agora interrompida por aquela mulher de longos cabelos enfeitados de uma fita azul de cetim, que caíra tropeçando, a quem ele procura ajudar a levantar, estendendo-lhe a mão castigada do tempo, que ela aceita com hesitação, enquanto receosa ante tal figura, segura firme a mala que se franqueara na queda.

Adiante entra num café onde a casa de banho fechada o obriga resignado, a pedir um copo de água, que o empregado serve contrariado, enquanto se apressa a recolher as moedas que clientes haviam deixado como pagamento sobre o balcão e que em forma desajeitada tombam, rolando pelo chão. Saciada a sede, baixa-se e apanha as moedas caídas, que entrega ao empregado que coxeando se precipita para as apanhar.

O dia continuaria igual, remetendo à noite a esperança do sossego, altura em que um braseiro do casebre onde dormia, lhe prometia o calor que lhe fora negado durante o dia. O caminho de regresso, faz-se manso, tanto quanto o de ida e o silêncio fazia-lhe a companhia que não tivera antes.

A atenção apenas lhe fora entretanto despertada por uma carteira caída na soleira de uma porta, que entreaberta denunciava o descuido de quem entrara naquela casa, agora aberta à curiosidade ou à intenção de quem passasse.
Pegou na carteira e lança mão à porta que rangendo, se antecipa ao intuito do toque na campainha para assim entregar o achado.

O barulho da porta acompanha uns passos apressados, enquanto uma mão arrebata a carteira estendida e outra empurra violentamente quem a estende, num julgamento rápido e convicto ante as evidências que os seus olhos procuraram ver.

Estendido no chão, a fome que sentia e a dor na cabeça que resultara da queda vão-se dissipando, enquanto a vida lhe foge do olhar e a luz da lua se vai apagando, entrecortada pela face do homem que o agredira, que se aproximara coxeando, agora secundado por uma cara de mulher, de onde pendiam uns longos cabelos, enfeitados de uma fita azul de cetim.

segunda-feira, março 19, 2007

Dia do Pai


Durante anos houve um Pai que não quis Filho;
Durante anos houve um Filho que quis o Pai;
Durante anos houve um Filho que quis um Pai;
Durante anos houve um Pai que quis o Filho.

Hoje há um Filho que não tem Pai;
Hoje há um Filho que quer o Pai;
Hoje há um Pai que quer o Filho.
Hoje há um Pai e um Filho que se querem.

quinta-feira, março 15, 2007

No coração

- Como te sentes agora ?
- Um pouco melhor, mas ainda me custa respirar ?
- Tem cuidado contigo, molha a face com um pouco de água fresca.
- Já o fiz.
- Cheira algodão embebido com um pouco de alcoól e toma um pouco de café, chá preto ou chocolate. Espera, agora tenho a "Mãe" ao telefone, não se sente bem. Disse-lhe para repousar e tomar um pouco de vinho do Porto. Estou preocupado com ela. Vou vê-la.


- Tu com esses cuidados todos. Onde tens o consultório, que é para eu lá ir ?
- No meu coração.

Viagem ao passado

Abrem-se lentamente os meus olhos ao ritmo do bocejar do amanhecer, que a pouco e pouco estende aos pés um caminho que o sol vai iluminando complacente, apontando na direcção do horizonte que espera silencioso em tons de mel e de azul turquesa.
As mãos juntam-se onde os olhares se encontram, oferecendo-se abertos ao passos compassados que nos transportam às memórias do passado que se fazem sentir no desconhecido, entre desfiladeiros e dunas, onde o dourado e o rubor das sombras se juntam em tons quentes de ágata, que nos aquecem a alma.
No caminho feito, as pegadas profanam ligeiras, o sereno das areias, que o ondular dos cabelos decora em arabescos traçados pelo olhar dos olhos.
Foram momentos, dias ou anos imensos, que o vento leva revolto em pequenos grãos de areia do deserto, onde reencontro a sombra que lá deixei a que me junto na reconciliação da memória.
Olho em redor, e é só, que me apercebo que estás lá também.

terça-feira, março 13, 2007

Hoje ...


Hoje é um daqueles dias em que "viver" não passa duma frustrada função a que nos remete o reflexo de "respirar".

Daqueles dias em que acordamos com um cão morto à porta e o resto do dia se segue numa fúnebre sequência de acontecimentos que nos dá uma vontade suicida de mandar tudo às ortigas.

Um daqueles dias em que a "filha-da-putice" toma ares de bom-senso e a "sacanice" se veste de "bem-fazer", levando-nos a ecoar na alma o poema, no desejo de que "morra e pereça" o dia em que nasceram tais canalhas. Que a fúria dos deuses varra da terra tão ímpias gentes, que nas cinzas de vilanagem se encontrem para sempre em esquecida sepultura.

Hoje é um daqueles dias.
O dia de amanhã poderá ser melhor, mas o resto continua, pois tudo vai depender da proporção de tudo o que aconteça.

quinta-feira, março 08, 2007

É o Dia Internacional da Mulher !


Escolhi uma Mulher ao acaso, entre tantas outras que como a ela, foi dedicado este dia.

Queria dar-lhe uma flor, uma rosa branca de Paz, mas ela não sabia o que eram rosas.
Procurei telefonar-lhe primeiro para casa, mas ninguém atendia, porque afinal ela não tinha uma casa para se abrigar, pois tinha sido incendiada durante os confrontos sangrentos na sua terra, que ninguém ousa parar. Vira gentes de fora como eu, mas nada acontecera.
Tentei escrever-lhe, mas ela não sabe ler, pois tal como os seus filhos, não foi à escola, ocupada desde tenra idade a trabalhar para o sustento da casa. Ouviu falar em trabalho infantil, mas sempre trabalhou, qual serva do mundo que lhe pesa nos ombros.
Quis saber quem a ajudava, mas estava sozinha, pois o marido morrera numa guerra que ela não compreende mas que conhece pela família que foi perdendo.
Quis falar-lhe, mas o isolamento concentrava-a no trabalho escravo que não lhe dava tempo para viver, que não fosse para recolher as migalhas com que retardava a fome dos filhos sobreviventes, num mundo que não era seu.
Quis dar-lhe a minha mão, mas tive vergonha, porque eu não era suficientemente digno dela.

Escolhi uma Mulher ao acaso, entre tantas outras que como a ela, foi dedicado este dia, mas ela não sabia.
E eu, guardei a rosa branca para a lançar ao vento, até ver que a rosa era Ela.

terça-feira, março 06, 2007

Hino ao Sol



Ensinamentos de provérbios árabes ao som de uma das mais belas canções que ouvi até hoje "Hino ao Sol".

É impressionante o que sinto ao ver e ouvir este filme. É simplesmente indescritível. As lágrimas correm naturalmente como o vento por sobre as dunas do deserto.
Quem me dera lá estar e sentir aquele calor do deserto que nos abraça, num mar e horizonte de areia. Que saudade do que não conheço.

Pergunto-me interiormente "quem serei eu ?".

domingo, março 04, 2007

A viagem


Enche a alma, as velas mansas no vento,
Lá longe em viagem onde o mar tudo traga,
De lastro aqui pouco resta em pensamento,
Recordações que a memória mal apaga,
À sorte se deu pouco mais em sustento;
Que um choro baixo que esta dor afaga.
Morram e pereçam todos, quem mal te fez,
E assim se faça minha, a tua justiça, de vez.